Transação Tributária e a Medida Provisória  Nº 899/2019

 

Como bem sabemos o Brasil é um dos países com a maior carga tributária entre diversos países do mundo. Em julho/2019 o Brasil era considerado a 15ª maior carga tributária do mundo.[1]

Considerando essa enorme exigência de tributos imposta a população, não é de se surpreender, com uma igualmente grande inadimplência exacional. São 1,9 milhão de contribuintes, que devem cerca de R$ 1,4 trilhão em tributos só na esfera Federal.[2]

Com vista a “estimular a regularização de débitos fiscais e a resolução de conflitos entre contribuintes e a União”[3] o Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adotou a Medida Provisória Nº 899 de 2019, com força de lei, recentemente aprovado pelo Senado com 77 votos favoráveis e nenhum contrário.[4]

A referida medida, vem regulamentar a possibilidade de transação na esfera tributária nos termos do art. 171 do Código Tributário Nacional, abaixo transcrito:

Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.

Assim, visando reduzir o montante das dívidas fiscais da União, bem como, o volume de processos judiciais e administrativos, o Presidente da República adotou a referida medida, regulamentando através da MP 899/2019, as condições, limites e critérios para a referida transação tributária, os quais serão brevemente comentados abaixo.

Em primeiro lugar temos que o termo “transação” segundo SABBAG (2018)[5]

“(…) representa o acordo ou as concessões recíprocas que encerram um litígio instalado (arts. 840 a 850 da Lei 10.406/2002), com reciprocidade de ônus e vantagens. Depende de lei que a conceda, sendo, portanto uma forma indireta de extinção do crédito tributário.”

Desta forma, a transação no direito tributário é o acordo em que o sujeito ativo (Fisco/União), e o sujeito passivo (Contribuinte) cedem mutuamente parte de seus direitos e interesses discutidos, via de regra, no caso da União o direito desta é a percepção do tributo com os acréscimos legais, e no caso do contribuinte, ações antiexacionais, recursos, administrativos ou judiciais, ou mesmo eventual direito a crédito tributário, pago a maior ou indevidamente que pleiteia restituição.

Pois bem, o primeiro aspecto da MP que merece ser brevemente comentado resta contido no §1º do art. 1º que reza:

§ 1º A União, em juízo de oportunidade e conveniência, poderá celebrar transação em quaisquer das modalidades de que trata esta Medida Provisória, sempre que, motivadamente, entender que a medida atenda ao interesse público.

A MP prevê que:

(1) A transação “poderá” o que significa dizer que não será obrigatória para um ou outro caso;

(2) A transação poderá ser realizada mediante “juízo de oportunidade e conveniência” ou seja, a MP atribui certo grau de discricionariedade, assim entendido como uma margem de liberdade para que o sujeito ativo decida em termos de valoração o quando, como, e com quem poderá ser celebrado a referida transação, evidentemente ainda que haja certo de discricionariedade, há critérios objetivos a serem respeitados que foram estabelecidos pela MP dependendo de cada caso;

(3) A transação, ainda que importe em concessões mútuas necessariamente deverá atender ao interesse Público; ou seja, aquilo que for melhor para a coletividade/sociedade representada no referido ato pelo ente estatal;

O ponto que queremos comentar é o contido no § 2º do art. 1º que reza:

§ 2º Para fins de aplicação e regulamentação desta Medida Provisória, serão observados, dentre outros, os princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da transparência, da moralidade, da razoável duração dos processos e da eficiência e, resguardadas as informações protegidas por sigilo, o princípio da publicidade.

Deste ponto a MP prevê a necessidade de observância de alguns princípios, quais sejam: “isonomia, da capacidade contributiva, da transparência, da moralidade, da razoável duração dos processos e da eficiência e, resguardadas as informações protegidas por sigilo, o princípio da publicidade”.

Nesse contexto, comentemos 2 (dois) dos referidos princípios:

(1) A transação não poderá ferir a igualdade, ou seja, não poderá ser feita nenhuma distinção entre pessoas que se encontrem na mesma situação; o que significa dizer, que não se trata tratar todos igualmente, mas os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual na medida de suas desigualdades;

(2) A transação não poderá ferir a da capacidade contributiva, referido princípio a grosso modo, significa dizer que quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais impostos do que tem menor riqueza, tal máxima deverá ser levado em conta na transação;

É importante destacar que tais princípios deverão ser levados em conta quando da proposta de transação, a qual, segundo art. 3º da MP nº 899/2019 poderá inclusive ser feita por iniciativa do contribuinte, vejamos:

Art. 3º A transação na cobrança da dívida ativa da União poderá ser proposta pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, de forma individual ou por adesão, ou por iniciativa do devedor, ou pela Procuradoria-Geral Federal e pela Procuradoria-Geral da União, nos termos do disposto no art. 1º.

A opções de transação previstos a referida MP, são as constantes em seu art. 2º:

Art. 2º Para fins desta Medida Provisória, são modalidades de transação:

I – a proposta individual ou por adesão na cobrança da dívida ativa;

II – a adesão nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e

III – a adesão no contencioso administrativo tributário de baixo valor.

Vejamos:

(1) A primeira hipótese é “a proposta individual ou por adesão na cobrança da dívida ativa” entendemos que nesse caso a MP quando diz “proposta individual” estaria se referindo a proposta feita a um contribuinte específico e feita pelo próprio contribuinte a que não esteja vedado por quaisquer das situações previstas no § 2º do art. 5º  e art. 15 da MP, com débitos devidamente inscritos em dívida ativa, mas que ainda não teriam sido objeto de ações judiciais;

(2) A segunda hipótese seria exclusivamente os casos em que já há ações (processos) em andamento quer judiciais quer administrativas;

(3) A Terceira hipótese parece dizer respeito especificamente aos processos administrativos cuja discussão sejam considerados de baixo valor;

A matéria a ser versada na transação resta especificada nos incisos de I a III do art. 5º da MP, as quais, por força do § 1º poderão serem cumuladas, assim:

Art. 5º A transação poderá dispor sobre:

I – a concessão de descontos em créditos inscritos em dívida ativa da União que, a exclusivo critério da autoridade fazendária, sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, desde que inexistam indícios de esvaziamento patrimonial fraudulento;

II – os prazos e as formas de pagamento, incluído o diferimento e a moratória; e

III – o oferecimento, a substituição ou a alienação de garantias e de constrições.

§ 1º É permitida a utilização de mais de uma das alternativas previstas no caput para o equacionamento dos créditos inscritos em dívida ativa da União, vedada a acumulação das reduções previstas nesta Medida Provisória com quaisquer outras asseguradas na legislação em relação aos créditos abrangidos pela proposta de transação.

Quanto a matéria a ser versada na transação por serem os incisos do art. 5º explícitos e desprovidos de maiores complexidades teóricas, dispensamos, neste artigo quaisquer comentários aos mesmos.

Para finalizar dois dispositivos merecem ainda um comentário, o primeiro é o art. 6º, vejamos seu teor:

Art. 6º A proposta de transação não suspende a exigibilidade dos créditos por ela abrangidos nem o andamento das respectivas execuções fiscais.

§ 1º O disposto no caput não afasta a possibilidade de suspensão do processo por convenção das partes, conforme o disposto no inciso II do caput do art. 313 da Lei nº 13.105, de 2015.

§ 2º O termo de transação, quando cabível, preverá a anuência das partes para fins de suspensão convencional do processo de que trata o inciso II do caput do art. 313 da Lei nº 13.105, de 2015, até a extinção dos créditos nos termos do disposto no § 6º deste artigo ou eventual rescisão.

§ 3º A proposta de transação aceita não implica novação dos créditos por ela abrangidos.

§ 4º A aceitação da transação pelo devedor constitui confissão irretratável e irrevogável dos créditos por ela abrangidos.

§ 5º Quando a transação envolver moratória ou parcelamento, aplica-se, para todos os fins, o disposto nos incisos I e VI do caput do art. 151 da Lei nº 5.172, de 1966.

§ 6º Os créditos abrangidos pela transação somente serão extintos quando integralmente cumpridas as condições previstas no respectivo termo.

A MP no caput do art. 6º é expressa em declarar que “a proposta de transação não suspende a exigibilidade dos créditos por ela abrangidos nem o andamento das respectivas execuções fiscais.”  Esse declaração deixa claro a apenas a proposta da transação não basta para suspensão da exigibilidade dos créditos tributários, e, portanto, não lhe é atribuída (à proposta) o mesmo atributo capaz de suspender a exigibilidade dos créditos tributários que é atribuída as impugnações e recursos administrativos e medidas judiciais nos termos do art. 151, inciso III, IV e V do CTN.

Nesse passo, parece não haver previsão de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, mas apenas da suspensão do processo, o que para ocorrer, será necessário a adesão de uma das partes a proposta, bem como, a discriminação no termo da transação os critérios para a suspensão do processo, o que por sua vez, em caso de execução fiscal suspenderiam as medidas constritiva de bens dos contribuintes, conforme disposto nos § 1º e 2º do art. 6º da MP.

Outro ponto interessante é o § 4º do art. 6º, que declara que “A aceitação da transação pelo devedor constitui confissão irretratável e irrevogável dos créditos por ela abrangidos.” Nesse aspecto o dispositivo parece seguir o padrão dos parcelamentos em geral quanto a confissão dos créditos. Muito embora, em nosso entender, tal confissão não poderia se aplicar a créditos prescritos.

Por fim, o § 6º declara que “Os créditos abrangidos pela transação somente serão extintos quando integralmente cumpridas as condições previstas no respectivo termo.” Desta forma, apenas com o cumprimento integral da transação o contribuinte terá de fato os créditos contra si extintos.

É importe destacar que, para que o contribuinte possa usufruir dos benefícios desta MP (que diga-se de passagem está aguardando sanção ou veto pelo Presidente da República[6]) é fundamental que o mesmo tenha a seu lado, para analisar sua peculiar situação junto à Receita Federal, bem como, Procuradoria da Fazenda Nacional e ainda, o status e características dos processos judiciais e administrativos, uma assessoria Jurídica que indicarão as melhores opções em cada caso.

MARINHO MENDES SOCIEDADE DE ADVOGADOS
Excelência em Advocacia

Siga Nossa Redes Sociais:

Marinho Mendes Facebook  Marinho Mendes Instagram-icons      

 

[1] https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2019/07/04/brasil-e-o-pais-com-o-menor-indice-de-retorno-de-bem-estar-a-sociedade-pesquisa-foi-feita-com-30-paises-de-maior-carga-tributaria-no-mundo.ghtml

[2] Fonte: Agência Senado: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/24/senado-aprova-mp-que-regulamenta-a-negociacao-de-dividas-com-a-uniao

[3] Fonte: Agência Senado: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/24/senado-aprova-mp-que-regulamenta-a-negociacao-de-dividas-com-a-uniao

[4] Fonte: Agência Senado: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/24/senado-aprova-mp-que-regulamenta-a-negociacao-de-dividas-com-a-uniao

[5] Código Tributário Nacional Comentado / Eduardo Sabbag. – 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018

[6] https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/139427

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *